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segunda-feira, 6 de maio de 2013

Momento do Letrando - Choveu crônica


Choveu crônica
Cinco dias de sol intenso para se formar um alarido típico de verão:
            - Que calor é esse, meu Deus?!
            - Não tem quem aguente, é um forno!
            - O sol tá de rachar o bico!
            - Os pasto tá tudo seco!
            - Nem pra cair uma chuvinha...
         E cai. Cai um toró daqueles. Começa tímido, ritmado feito trote de cavalo. Pingos grossos, assim como pedrinhas nos telhados de vidro vão avisando que vem trovoada por aí: o céu acinzenta-se; faz a cara alegre e suada de verão ficar apreensiva; os filhos pequenos se recolhem no aconchego da mãe, do pai, da avó, da tia; os trabalhadores dão pressa ao relógio, pois a necessidade de casa aumenta à medida que a chuva engrossa.
        As nuvens desabam gostosa e fartamente sobre a cidade. Num instante, não há um só guarda-chuva desfilando pelas ruas. E se querem saber, ele, o guarda-chuva, não guarda chuva nenhuma, ele deixa é a chuva ir embora... Imaginem se ele guardasse uma chuvinha e depois, na intimidade de nosso lar, a gente lembrasse que ainda é criança e se esbaldasse naquela chuva guardada...
          Ele desperdiça a chuva e guarda a gente. Devia se chamar guarda-gente-da-chuva. Protetor mesquinho que em dia de trovoada não serve pra nada: tudo molha. As águas descem encharcando ruas, praças, carros, postes e aquele atrevido, que se faz invejar, porque dança na chuva ignorando os roncos celestiais.
            A cada relâmpago-trovão (e essa justaposição é justa porque nunca vi um sem o outro) as criancinhas gritam, algumas porque sentem muito medo mesmo, outras porque sabem dar ênfase a uma emoção. Enquanto isso, algumas pessoas rezam, dizem que trovoada é Deus falando (ou está dando bronca?). Pra mim, trovão são nuvens gordinhas brincando no céu. A voz de Deus é suave, ele fala é na poesia que há em dias chuvosos.
         A mesma poesia que me faz lembrar Saramago e daquela torrencial chuva que lavou os corpos de seus amados personagens num Ensaio que ele escreveu. Queria isso aqui: toda a cidade do lado de fora tomando banho de chuva. Deixando as águas lavarem as impurezas dos corpos e das almas, inclusive da minha, para que na manhã seguinte, amanhecêssemos como amanhecerá a calçada amanhã: limpa, fresca e pura, pronta para mais cinco dias de sol intenso.

Texto enviado por Bárbara Maria Nunes Pereira, graduanda do curso de Letras Vernáculas.

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