Choveu
crônica
Cinco dias
de sol intenso para se formar um alarido típico de verão:
- Que calor é esse, meu Deus?!
- Não tem quem aguente, é um forno!
- O sol tá de rachar o bico!
- Os pasto tá tudo seco!
- Nem pra cair uma chuvinha...
E cai. Cai um toró daqueles. Começa tímido, ritmado feito
trote de cavalo. Pingos grossos, assim como pedrinhas nos telhados de vidro vão
avisando que vem trovoada por aí: o céu acinzenta-se; faz a cara alegre e suada
de verão ficar apreensiva; os filhos pequenos se recolhem no aconchego da mãe,
do pai, da avó, da tia; os trabalhadores dão pressa ao relógio, pois a
necessidade de casa aumenta à medida que a chuva engrossa.
As nuvens desabam gostosa e fartamente sobre a
cidade. Num instante, não há um só guarda-chuva desfilando pelas ruas. E se
querem saber, ele, o guarda-chuva, não guarda chuva nenhuma, ele deixa é a
chuva ir embora... Imaginem se ele guardasse uma chuvinha e depois, na
intimidade de nosso lar, a gente lembrasse que ainda é criança e se esbaldasse
naquela chuva guardada...
Ele
desperdiça a chuva e guarda a gente. Devia se chamar guarda-gente-da-chuva.
Protetor mesquinho que em dia de trovoada não serve pra nada: tudo molha. As
águas descem encharcando ruas, praças, carros, postes e aquele atrevido, que se
faz invejar, porque dança na chuva ignorando os roncos celestiais.
A cada relâmpago-trovão (e essa
justaposição é justa porque nunca vi um sem o outro) as criancinhas gritam,
algumas porque sentem muito medo mesmo, outras porque sabem dar ênfase a
uma emoção. Enquanto isso, algumas pessoas rezam, dizem que trovoada é
Deus falando (ou está dando bronca?). Pra mim, trovão são nuvens gordinhas
brincando no céu. A voz de Deus é suave, ele fala é na poesia que há em dias
chuvosos.
A mesma poesia que me faz lembrar Saramago e daquela torrencial chuva que lavou os corpos de seus amados personagens num Ensaio que ele escreveu. Queria isso aqui: toda a cidade do lado de fora tomando banho de chuva. Deixando as águas lavarem as impurezas dos corpos e das almas, inclusive da minha, para que na manhã seguinte, amanhecêssemos como amanhecerá a calçada amanhã: limpa, fresca e pura, pronta para mais cinco dias de sol intenso.
Texto enviado por Bárbara Maria Nunes Pereira, graduanda do curso de Letras Vernáculas.
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